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Foto do escritorSinduscon Pará

Transação econômica na Amazônia exige atenção aos desafios locais

As atuais discussões sobre a Amazônia não estão envolvendo apenas a necessidade de preservação e reconstrução da floresta. Para além disso, a transição econômica na região também tem sido alvo de grandes debates, inclusive internacionais, por haver o entendimento de que o atual modelo de produção de renda do bioma é um dos principais motivadores da crise ambiental existente na área. Porém, as alternativas quanto às melhores formas de seguir adiante com o projeto dividem opiniões nos segmentos da economia local e de pesquisadores do assunto.

No Pará, a preocupação dos setores responsáveis por fazer girar a economia é alavancar a infraestrutura adequada para que a transição econômica beneficie a todos. Potencial para isso o território possui. Pesquisas realizadas pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (Naea), da Universidade Federal do Pará (UFPA), apontam que a capacidade paraense em converter o padrão financeiro é grande e capaz de injetar, como já está fazendo, mais de R$ 11 bilhões no Produto Interno Bruto (PIB) nacional somente com o uso dos treze principais produtos encontrados na floresta – como o açaí.




Segundo a pesquisa “Changes in the Global Value of Ecosystem Services”, a floresta amazônica preservada por meio da bioeconomia pode movimentar até R$ 7 trilhões por ano (Foto: Mariana Almeida/Cabron Studios)


Em 2021, ano do cálculo mais recente do PIB, o Pará teve 2,9% de participação na economia do Brasil, chegando a alcançar R$ 262,9 bilhões. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No Norte, o total da contribuição foi de R$ 564,064 bilhões e o Pará foi responsável por 46,2% desse valor, mantendo, com isso, a 1ª colocação na região. O município de Parauapebas, no sudeste paraense, é o que detém o maior PIB. Quanto aos setores com mais participação no cenário econômico, serviços, indústria, administração pública e agropecuária são destaques.

E os números podem ser melhorados. Segundo a pesquisa “Changes in the Global Value of Ecosystem Services”, a floresta amazônica preservada por meio da bioeconomia pode movimentar até R$ 7 trilhões por ano. No Pará, o estudo “Bioeconomia da Sociobiodiversidade” estimou um potencial de crescimento das cadeias de valor que podem gerar R$ 170 bilhões até 2040. Esses levantamentos constam em um plano de ação do estado, que também dispõe de diretrizes necessárias para alcançar as metas, entre elas o investimento em pesquisas e infraestrutura.


Meio ambiente deve estar em destaque


O conceito de transição econômica pode ser entendido como a transformação de um modelo que valoriza mais os padrões mecânicos e químicos dos processos para um que coloca o meio ambiente em destaque. O professor doutor Francisco de Assis, pesquisador do Naea, explica que os moldes adotados para essa mudança, muitas vezes, levam em consideração realidades diferentes das vividas na Amazônia, como as desenvolvidas em países da Europa e nos Estados Unidos. Segundo ele, isso cria crises na aplicação das soluções que poderiam, de fato, ser benéficas. 

Quando falamos em transição, falamos em baixo CO2, mecanização de precisão, tratores controlados por computadores. Essa é uma ferramenta importante em outras realidades, mas na nossa, a coisa é anterior: o fato de ter que criar as terras; elas não existem, não estão dadas para essa economia existir, ela teve que proceder um ato e esse é o problema, o desmatamento. A participação da Amazônia na crise ambiental tem a ver com isso, tem que se tratar isso e não dizer que a transição vai seguir o protocolo da transição europeia ou da economia de baixo carbono”, frisa o professor.


Mercado de terras


Francisco diz que a transformação de terras públicas em privadas, feitas de forma ilegal e configurando o que vem sendo chamado de mercado de terras, pode estar elencada entre os principais problemas encontrados na região amazônica – e que precisa de combate urgente. Somado ao fato de essa prática também gerar o desmatamento, o pesquisador comenta que o setor, mesmo estando ligado a diversas partes da economia – como a da soja e da pecuária –, tem autonomia para atuar dentro dos territórios. “Esse mercado se apropria das terras com mata, tira a mata e coloca ela no mercado”.




“Esse mercado se apropria das terras com mata, tira a mata e coloca ela no mercado”, afirma o professor Francisco de Assis (Foto: Cristino Martins/O Liberal)


“Apesar de ser um processo muito complexo do ponto de vista institucional, tem muitas variáveis sensíveis importantes, mas o central à gente ter é isso, aqui na Amazônia ainda é o lugar do País onde o mercado de terras funciona como um subsetor que produz terra. Se mata e produz terras novas. Então, eu não vejo como fazer uma economia de transição, que a noção de transição se aplique efetivamente à Amazônia. Ou seja, que detenha o processo de destruição da floresta, que atue sobre o desmatamento, sem tratar de modo determinado, sério e profundo esses mecanismos de produção de terras”, afirma.


Bioeconomia bioecológica pode ser solução

Os estudos realizados pelo Naea caminham para uma direção que afirma que a bioeconomia bioecológica, modelo de produção já existente no território amazônico, pode ser uma saída eficaz para os problemas encontrados no meio ambiente. Segundo Francisco de Assis, a lógica muda: de uma valorização dos processos mecânicos, a prática potencializa a preservação da natureza. “Essa economia bioecológica, na verdade, é o que os nossos camponeses, ancestrais, indígenas, também, fazem. Você tem essa gigantesca produção familiar associada ao bioma da Amazônia”, destaca o pesquisador.

Segundo levantamento do Naea, essa economia envolve, em toda a Amazônia, 400 mil estabelecimentos e cerca de 1 milhão de trabalhadores. Os setores são os mais diversificados: desde a produção do açaí – 80% da fruta vem desse modelo – até a manipulação de fármacos. No cenário, como um todo, o estado do Pará é o que possui a estrutura mais bem organizada. “A técnica funciona porque vem fazendo isso há 300 anos, baseado em tecnologias também. Só que são tecnologias de outros tipos, em que essas estruturas de vida [o bioma], estão no centro dos processamentos”, ressalta Francisco.

Dessa forma, o pesquisador considera que a transição econômica na Amazônia deve começar valorizando o modelo de produção sustentável existente e não deve se excluir. Ao contrário, é interessante haver trocas entre todos os setores. “A transição, aqui, é outra coisa: é valorizar, é reconhecer a existência e começa por aí, desenhar políticas públicas efetivas para essa economia. Esse conhecimento é ancestral, mas não quer dizer que ele precisa ser exclusivo. Ele pode dialogar com o conhecimento do laboratório, chegar de fato às pesquisas e dialogar com eles”, completa.


Desafios para a indústria

No Pará, o setor industrial tem apostado em agroindústrias. De acordo com a Federação das Indústrias do Estado do Pará (Fiepa), Santo Antônio do Tauá, Moju e Abaetetuba são exemplos de cidades que estão colocando em prática técnicas sustentáveis para que a transição econômica na Amazônia seja uma realidade. Entretanto, Alex Carvalho, presidente da entidade, elenca que é necessária uma melhor infraestrutura na região para escoar os produtos e promover competitividade.


Vai também trazer a segurança necessária para que a atividade legal e formal se estabeleça. A Amazônia, a partir de um momento em que a consciência ambiental se tornou cada vez mais relevante, tem tragado muitos investimentos, tem sido uma região com grande potencial de crescimento. Primeiro que quando se fala de bioeconomia, se fala claramente de um extremo potencial da maior floresta de biodiversidade do planeta. Se temos esses recursos. Se temos essas disponibilidades, nós temos a origem. Precisamos melhorar muito o meio, para que o fim seja desejável”, acrescenta Alex.


Junto à infraestrutura, o presidente da Fiepa defende que a indústria deve buscar uma descarbonização do setor e aumentar os investimentos em uma modernização do parque industrial, como forma de alavancar os esforços para a transição. “E qualificar bem a mão de obra. Um terceiro elo é a indústria ser mais inclusiva. O Pará tem grandes modelos de inclusão socioambiental. O potencial que nós temos é gigante, então, temos uma grande chance de primeiro sair da informalidade, de deixarmos de ter aquela atividade eminentemente extrativista ou sem escalabilidade, para uma escala racional”.




O presidente da Fiepa, Alex Carvalho, defende que a indústria busque a descarbonização do setor e aumente os investimentos na modernização do parque industrial (Image: João Barros/ FIEPA)


Entraves

Um dos grandes entraves para uma transição econômica que beneficie o setor industrial da Amazônia ainda é o combate ao garimpo ilegal. Alex afirma que a clandestinidade encontrada na região passa a imagem de que não há urgência em, também, lidar com as questões climáticas. Porém, a realidade é a contrária. “As atividades clandestinas estão trazendo essa vilania e nós somos contra a ilegalidade. Somos a favor da formalização da atividade legal, a favor de que haja condições de trazer competitividade para o nosso produto, bem como baratear o custo de quem controla e fiscaliza as ilegalidades”, garante.


Emprego

Atualmente, no Pará, o setor industrial emprega 198 mil pessoas, segundo a Fiepa. Com as iniciativas da transição econômica sendo colocadas em prática, a estimativa é que esse número dê um salto positivo. “A bioeconomia está fazendo acender uma grande luz de ideias de conceitos de modelos. A indústria é o emprego. Temos o condão de trazer longevidade a essa agregação de valor traz um voo longo de empregos com dignidade, carteira assinada, acesso à educação, à saúde e bem-estar. Temos a oportunidade de sair de um patamar ainda de um PIB per capita muito baixo para dar um salto significativo”, finaliza.


Tecnologia é aliada do setor agropecuário

Uma das aliadas usadas pelo setor agropecuário da região amazônica para garantir uma transição econômica eficaz é a tecnologia. O Pará possui o segundo maior rebanho de bovídeos – bovino e bubalinos – do Brasil e tem ganhado destaque na produção de queijos. Esse cenário está concentrando uma série de esforços, de acordo com Guilherme Minssen, zootecnista e diretor da Federação da Agricultura e Pecuária do Pará (Faepa), para acompanhar as transições que a atual situação da crise climática tem exigido. “Nessa transição, o Pará é modelo de genética, nutrição e sanidade”.




“Nessa transição, o Pará é modelo de genética, nutrição e sanidade”, afirma Guilherme Minssen, zootecnista e diretor da Faepa (Foto: Ag. Pará)


Na parte genética, temos animais melhorados. Antigamente, eles iam para o abate com cinco anos. Hoje, com 20 meses já estão sendo abatidos. Ou seja, precocidade. Evoluímos geneticamente os nossos rebanhos. Essa é uma das grandes armas que usamos nessa bioeconomia. Também produzimos mais e em menor área por causa da nutrição. Temos pastagens em menores áreas com qualidade nutritiva, tanto em proteína, quanto em energia. Além disso, melhoramos as técnicas de vacinação. Temos áreas livres da aftosa sem vacinação e, com isso, nosso boi é de baixíssimo risco. Esse é o nosso tripé”, lista.


Comunidade vê forma de melhorar de vida

A abertura de uma agroindústria voltada para a extração de óleos naturais pelos moradores de Campo Limpo, comunidade de Santo Antônio do Tauá, no nordeste do Pará, é considerada um passo em direção à transição econômica na Amazônia. A iniciativa é em parceria com uma empresa do ramo de cosméticos. Dilma Lopes, de 54 anos, é presidente da Associação de Produtores e Produtoras Rurais (Aprocamp) e conta que a realidade tem sido transformada por meio desse trabalho. “Nossos pais plantavam a roça para sobreviver e manter a família”.


A abertura de uma agroindústria voltada para a extração de óleos naturais pelos moradores de Campo Limpo, comunidade de Santo Antônio do Tauá, no nordeste do Pará, é considerada um passo em direção à transição econômica na Amazônia (Foto: Mariana Almeida/Cabron Studios)

Antes, a comunidade produzia verduras. Hoje, a economia conta com a introdução de priprioca, pataqueira e estoraque, usados para a extração de óleos. “Essa mudança de vida nos levou a preservar. Antes, quando nossos pais trabalhavam com a roça, tínhamos que desmatar um local para fazer o trabalho, era como se mantia. A agroindústria foi justamente para geração de renda. Nós éramos muito humildes, os sonhos não conseguiam ser realizados só com a roça. Agora, os jovens não saem para buscar recursos fora, eles enxergam possibilidade de renda dentro da nossa comunidade”.






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